Cerca de 300 profissionais e acadêmicos de áreas voltadas à saúde participaram, durante toda a última sexta-feira, 29/11, do II Simpósio de Psicanálise e Saúde promovido pela Oncomed no Hotel H Niterói. O evento foi marcado por muita interação, informação, troca de conhecimentos e emoção na discussão de casos como os da depressão (o mal do século), o uso excessivo de remédios, a vivência do luto e reações ao diagnóstico do câncer e demais doenças graves, apresentados em sete mesas-redondas envolvendo 15 renomados especialistas. Um deles é o médico psiquiatra e psicanalista Alfredo Simonetti, coordenador da pós-graduação em Psicanálise e Saúde do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, que ministrou duas palestras e esteve na mesa de autógrafos no encerramento do encontro com duas de suas obras: “Pílulas e Palavras” e “A Cena Hospitalar: Psicologia Médica e Psicanálise”.
Priorizando a troca de experiências sobre tratamentos e cuidados do indivíduo como um todo a partir de temas voltados ao físico, o espiritual, o mental, o social e o preventivo, o simpósio teve mensagem de boas-vindas do oncologista Alexandre Coury que há quase 30 anos iniciou a Oncomed, hoje um complexo oncológico com quatro unidades: duas em Niterói, uma em São Gonçalo e uma no Rio de Janeiro. A clínica de oncologia é a primeira da cidade a obter acreditação da ONA (Organização Nacional de Acreditação), e com excelência nível 3, a mais alta classificação que uma instituição de saúde pode ter. Em sua fala, o oncologista destacou a importância da psico-oncologia, especialidade que atua em fatores psicossociais, biológicos e psicológicos no tratamento de pacientes e familiares, trabalhando a ansiedade, a depressão e outros sintomas.
“Comprovar a importância dessa área foi o que nos motivou a promover um encontro desse porte, com tantos profissionais de peso, em uma iniciativa rara para uma empresa do segmento oncológico e da rede privada”, destacou Alexandre Coury, convidando para abrir o simpósio o psiquiatra João Aylmer, membro de instituições como a Associação Fluminense de Psiquiatria Clínica e a Associação Brasileira de Psiquiatria Biológica. Graduado em 1958 pela Universidade Federal Fluminense, ele construiu uma carreira de destaque em Niterói onde, aos 90 anos de idade, segue atendendo em seu consultório e ensina: “a cereja do bolo é espiritualidade e saúde”.
O simpósio foi idealizado pela psicanalista e psicóloga Christiane Couri, coordenadora do serviço de psico-oncologia da Oncomed, mestre e doutoranda em psicanálise e saúde e sociedade, especialista em psicanálise e saúde pelo Einstein, e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Psico-oncologia (SBPO/RJ). Além de mediar quatro das sete mesas, a especialista palestrou na primeira delas, “A Importância e Atuação da Psico-oncologia”, com Gláucia Pina (doutora e mestre em Psicologia Clínica) e Thatiana Michelsem (psicóloga clínica e psico-oncologista de atendimento ao luto), respectivamente, presidente e vice-presidente da SBPO/RJ. A mediação foi do mastologista Rodrigo Souto, diretor da Pró-Onco Mulher e diretor-científico do Instituto Oncomed, que oferece frentes de ensino, atividades acadêmicas e desenvolvimento de pesquisas clínicas.
Cadê a psicóloga? – Envolvido em uma série de projetos voltados aos cuidados de pacientes de câncer (como a campanha Outubro Rosa) e outras doenças graves, Rodrigo ressaltou a importância que a Oncomed dá à atuação da equipe multiprofissional no tratamento dos pacientes. “E minha presença aqui nessa primeira mesa do simpósio mostra isso. Lá nos anos 90, quando comecei a clinicar, senti a necessidade da equipe multidisciplinar com psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas… Tentamos num primeiro momento, mas não emplacou. Não desistimos e com a Christiane, pioneira da psico-oncologia em Niterói, conseguimos. Hoje chegamos no atendimento e logo ouvimos das pacientes: `cadê a psicóloga?`. É mesmo uma grande vitória para a área”, comemora Rodrigo Souto.
Reforçando a fala do mastologista, Christiane lembrou que aos 14 anos viu a sua mãe (também a do seu irmão, o oncologista Alexandre Coury) adoecer de câncer, falecendo nos seus 17 anos.
“Alexandre já cursava medicina e seguiu a oncologia. Eu decidi pela psicologia, na verdade, em busca de entender o meu sofrimento. E logo entendi que a medicina cura e a psicologia cuida, ampara, acolhe e ameniza o sofrimento humano, prioridade em nossa instituição que inovou iniciando timidamente esse serviço já no primeiro ano de funcionamento, e hoje fazemos acompanhamento até no centro cirúrgico e no pós-óbito, amparando familiares na sua perda. Foi com base nas vivências dessa trajetória de quase 30 anos que identificamos a necessidade de promovermos esse simpósio”, disse Christiane.
Na coordenação do evento Christiane contou com a também psicóloga e psicanalista Isabete Costa. Juntas, elas definiram temas diferenciados a serem tratados no encontro, como “Espiritualidade e Saúde”, palestra da segunda mesa feita pelo filósofo e teólogo Bruno Oliveira, com mediação do oncologista Victor Marcondes, diretor de pesquisa do Instituto Oncomed. Mestre em ciência da religião e há 15 anos capelão do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Bruno falou do desafio de identificar o sofrimento para as ações de alívio, o que atraiu, em especial, a atenção dos acadêmicos. “Trabalhamos como a espiritualidade pode atuar nas instituições de oncologia. E não se trata de religiosidade, mas de espiritualidade. E para isso treinamos os olhos e ouvidos dos profissionais para que consigam reconhecer o que é espiritualidade, e assim trabalhar a saúde espiritual das pessoas”, resumiu.
Pausa no envelhecimento – Entre os temas inovadores do simpósio, a psicóloga e psicanalista Talita Baldin (professora da Faculdade Maria Thereza e coordenadora do curso de graduação em Psicologia da Universidade Castelo Branco) e a geriatra Marcelle Xavier Bastos (especialista em cuidados paliativos pelo Einstein e oncogeriatra do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo) falaram na terceira mesa sobre “Como Pausar o Envelhecimento”. Mecanismos do processo comum ao ser humano, aumentado por vulnerabilidades de agentes estressores foram destacados por Marcelle.
“Vemos pesquisas ainda sem certezas, um mundo de medicamentos e procedimentos para evitar o envelhecimento e a indústria farmacêutica querendo vender muito. Mas é preciso estar atento, em especial, ao que as redes sociais mostram, porque muitas coisas não são reais. E aí nos deparamos com pessoas frustradas, com uma série de efeitos colaterais, com problemas físicos e mentais por conta do pausar o envelhecimento. A verdade é que temos alterações fisiológicas do envelhecimento, simples assim. O importante é saber envelhecer, usar o que precisa ser usado e cuidar do corpo e da mente”, alertou a Marcelle.
Intensificando a fala da geriatra, Talita fez referência ao premiado filme “A Substância”, onde a atriz Demi Moore vive uma ex-estrela de cinema e apresentadora de TV demitida por conta do envelhecimento e se submete a uma engenhoca científica que promete aos usuários serem a melhor versão de si. “Esse filme nos traz reflexões sobre a obsessão pela beleza, a sexualidade, a violência de gênero e a pressão estética”, completou.
Fechando os trabalhos da manhã, o psiquiatra e psicanalista Alfredo Simonetti (que começou a vida como jornalista, é curador do programa Café Filosófico da TV Cultura e apresentador do canal YouTube “Pílulas e Palavras: a psiquiatria e psicanálise do século XXI”) palestrou sobre “Psicanálise e Oncologia: para Além da Cena Hospitalar”. Em sua fala ele lembrou sobre os cuidados paliativos que explodiram a partir da década de 50, com a chegada de recursos como antibióticos e a entubação que mantinham pacientes vivos, mas não curavam.
“A capacidade médica de curar teve na época um crescimento médio, enquanto a de manter vivo cresceu muito. E foi aí que a psicanálise entrou, pois temos algo de particular e muito potente. Escutamos, e a escuta busca o real, produz mudança no paciente. E nessa busca conquistamos um lugar bastante nosso no hospital. Na verdade, todos cuidam, mas nós, psicanalistas, temos um jeito só nosso de cuidar. E aos poucos fomos vendo o crescimento da capacidade médica de curar, como o câncer infantil, que hoje tem índice alto de cura. Vemos também as áreas caminhando cada vez mais juntas, apesar de os médicos gostarem de dizer que a medicina é baseada em evidências, mas entendo que é baseada em escolhas. A Oncomed, por exemplo, escolheu ser humanizada, o que fez o seu diferencial na cidade”, destacou Simonetti.
Remédios psiquiátricos para dores cotidianas: covardia ou um jeito pós-moderno de viver?
O especialista abriu os trabalhos da tarde falando sobre “Tomar remédios psiquiátricos para angústias e tristezas cotidianas é covardia existencial ou um jeito pós-moderno de viver?”, na mesa “Medicalização no Contemporâneo”. Simonetti citou o caso de um paciente que queria remédio por ter sido traído pela mulher e ter um filho desobediente. “Há pessoas que não querem se enxergar, preferindo aliviar as angústias com medicamentos, e não se tratar, fazer análise e ter um acompanhamento, o que muitas vezes resolve sem a dependência de remédios. Mas no mundo do imediatismo as pessoas veem como solução virar um vidro de Rivotril direto na boca ou mesmo seguir com o Prosac (remédio descoberto quase ao acaso em Paris dos anos 50), criando uma dependência muitas vezes desnecessária, com sérios efeitos colaterais”, ressaltou.
Alfredo Simonetti dividiu a mesa com o psicólogo e psicanalista Maycon Torres (professor de psicologia clínica e saúde mental na UFF), que falou sobre “Toximania e Medicalização” em reforço ao tema. “É preciso muito cuidado no uso de remédios, pois a droga ocupa um lugar privilegiado e as pessoas passam a ter dificuldade de abrir mão dela”, alertou Maycon.
O simpósio seguiu com a mesa “Os sofrimentos do corpo na depressão e na psicossomática”, apresentado pelo psicanalista Carlos Eduardo Leal, escritor, artista plástico e professor da pós-graduação do Centro Universitário Academia (UniAcademia) de Juiz de Fora, e com mediação do oncologista Marcos Saramago, que integra o time de médicos da Oncomed e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), e é mestre pela Universidade do Porto, em Portugal. Em sua apresentação, Carlos Eduardo falou sobre depressão, melancolia, fenômeno psicossomático, falha do saber e outros sintomas sentidos pelo corpo por conta de situações que provocam sofrimento e precisam de tratamento. “Estamos falando de sintomas expressos em irritabilidade, insônia, isolamento, distúrbio gastrointestinal, apatia e até inibição da fala que precisam e podem ser cuidados”, disse, ressaltando a felicidade de participar de um evento do porte do simpósio promovido pela Oncomed em Niterói, proporcionando uma discussão muito rica entre psicanálise e saúde mental.
Literatura e arte na psicanálise – A última mesa do simpósio, “Psicanálise, Literatura e Arte”, reuniu três psicanalistas. São eles Gloria Sadala (coordenadora da pós-graduação em psicanálise, saúde e sociedade da Universidade Veiga de Almeida-UVA, professora da especialização em psicologia clínica da PUC-Rio e autora de livros como “Um escultor da palavra no avesso da comunicação”); José Maurício Loures (também professor da UVA e supervisor da especialização em psicologia clínica da PUC-Rio); e Vanisa Moret Santos (poeta, mestre, doutora, professora e coordenadora da especialização em psicologia clínica da PUC-Rio, colunista do Jornal Tribuna de Petrópolis online e também autora de livros. Os especialistas também citaram autoridades da área como Freud e Lacan para falar de angústias, desejos, paixões e outros sentimentos que motivam poesias, músicas e demais arte que levam ao apetite de viver.
No encerramento, Christiane Couri falou da emoção e sensação de vitória por conseguir realizar um simpósio para tratar de psicanálise, medicina e saúde, reunindo especialistas da área para proporcionar a troca de experiências e levar ensinamentos aos mais de 100 acadêmicos entre os cerca de 300 presentes. O agradecimento final foi feito por Aristóteles Freire, diretor executivo da Oncomed, que reafirmou o sucesso do simpósio, adiantando que o encontro veio para ficar e vai entrar no calendário anual de eventos da cidade. “Esse simpósio é o resultado de um sonho construído ao longo de 40 anos, um desejo da juventude da Christiane para unir o curar ao cuidar. Contamos com muitas pessoas trabalhando para sua concretização e por isso agradeço a todos que fizeram o acontecer, destacando mais uma vez o nome da Oncomed no cenário da cidade, com o reconhecimento dos tratamentos diferenciados que disponibilizamos”, resumiu Aristóteles.
Universitários destacam a troca de experiências e o aprendizado
Entre os muitos universitários que participaram de todo o evento (das 8h às 19h) estava Fernanda Lopes, 30 anos, residente em Niterói e cursando o 6º período de Psicologia na Universidade Estácio de Sá. “O simpósio foi excelente! Ele trouxe ricas contribuições, em especial, para nós, acadêmicos, que tivemos a oportunidade de passar um dia inteiro ouvindo e interagindo com profissionais renomados”, disse Fernanda, formada em comunicação social, área que decidiu trocar pela psicologia. Ela acompanhou o simpósio com outros colegas universitários e a psicóloga Camilla Franco, coordenadora da graduação em Psicologia da Estácio. “Maravilhoso termos um evento dessa ordem para discutirmos a psicanálise extramuros, com espaço para tratar da psicanálise oncológica e abordando a importância do cuidar. É raro termos um evento voltado para a nossa área promovido por uma instituição privada, e do nível que foi esse simpósio. Foi um dia riquíssimo de aprendizado e muita troca, e o melhor: ouvir dos organizadores que a Oncomed manterá esse simpósio no calendário anual de eventos em Niterói”.