Nascido no bairro do Riachuelo, zona norte do Rio, o jovem André Melo não poderia imaginar como sua vida se transformaria. Nunca iria imaginar que atravessaria a Linha Amarela, uma das principais vias expressas da cidade, para mudar o futuro de muita gente.
Ele saiu do Riachuelo e foi parar em Jacarepaguá, zona oeste da cidade. “Casei cedo, o objetivo era de fato construir uma família e dar passos largos na carreira, já que estaria mais perto do escritório”, lembra.
O tempo passou e se tornou pai de dois meninos.
Começou a trabalhar em shoppings centers e aprendeu de tudo um pouco. Foi de boy a assistente de marketing em 1 ano. Se apaixonou pela área e fez dela sua profissão. Os anos se passaram, se formou em publicidade e resolveu mergulhar de vez nesse mercado.
André achou que ali era seu lugar e que sua vida profissional iria deslanchar de vez. Porém, os problemas foram se acumulando e o estresse da profissão acabou lhe causando uma depressão. Precisou se afastar de suas atividades e pouco tempo depois acabou sendo demitido.
Nove anos depois ele voltaria para o shopping que o projetou, voltando para o marketing, e lá ficou por mais cinco anos. Mas chegou à conclusão que ali não era mesmo o seu lugar.
E foi em uma das campanhas feitas neste shopping que ele descobriu sua real vocação. “Através de uma campanha de Natal que organizamos, onde produzimos árvores e mesas que foram assinadas por personalidades, e que teriam itens a serem doados, como leite, fraldas, comida, dentro outros, meu chefe pediu que procurasse um local para as doações, foi aí que tive o primeiro contato com um projeto social”, conta André.
Foi nesse Natal que o clique do serviço social virou. Ele não só doou, como começou a frequentar o projeto, localizado na Cidade de Deus. “Fui visitar o projeto e me apaixonei. Virei voluntário e assumi a parte de comunicação. Só por ser um lugar extremamente vulnerável em todos os sentidos, onde as pessoas viviam em barracos, em cima de um brejo (região que carregava o nome da localidade), chorava todas as vezes que chegava em casa”, conta Melo emocionado.
Começava ali um estudo mais completo, e complexo, sobre a vida das pessoas que moravam na região. Tudo isso, somado a uma revolta contida, pois não conseguia entender como existia tanta pobreza a menos de um quilômetro de um dos bairros mais nobres da cidade, a Barra da Tijuca.
Mas como sua própria vida não foi simplesmente ‘fácil’, pois teve que batalhar muito para conquistar tudo o que teve, e sua família também, ele entendia que as pessoas daquela região não precisavam somente de doações físicas, como dinheiro, alimentos e coisas similares, mas também precisavam de evolução. De motivação para crescerem sozinhos e conquistarem seus próprios caminhos.
André viu que eles precisavam de comida no prato, mas também precisavam de cultura, esporte, educação, saúde e muito mais. Foi pensando nisso tudo que nasceu a sua ONG, a Nóiz. Ele encontrou uma forma de contribuir com a comunidade ajudando não somente a sanar a fome do corpo, mas também a da alma.
E o nome escolhido foi inspiração em uma música que ouviu. Achou curto, simples, direto e forte e que a comunidade iria entender de forma clara. “Estava na academia escutando uma música do Emicida, que se chama Nóiz, e pensei; é isso, é sonoro, é curto, é forte, a comunidade vai entender. Liguei às 6h da manhã para 3 outros amigos, criamos a ONG e no final de semana já tínhamos a marca e camisas. E na segunda já estávamos dentro da comunidade trabalhando”, revela.
Ele busca força em seus dois filhos, no mais velho, hoje com 20 anos de idade, e no caçula, de apenas 9, que está no espectro autista. Isso o ajuda entender ainda mais outros tipos de necessidades que pais de crianças especiais possam precisar enfrentar no dia a dia. André levou a sua realidade para a comunidade e descobriu que poderia contribuir muito também com essa causa.
A Nóiz começou com um barraco e hoje tem sua própria sede, na comunidade. E leva diariamente educação, saúde, esporte, cultura e assistência social para todas as pessoas que praticamente não tinham acesso a nada. Pessoas que eram esquecidas pelo Estado.
“A Nóiz nasceu como projeto e virou ONG rapidamente. O trabalho, ainda no barraco, foi ganhando projeção e reconhecimento da comunidade, até que um prédio de 2 andares foi oferecido. E era tudo que queria. Continuar a atender as pessoas do Brejo, mas também, de outros territórios, agora numa área mais central”, explica André.
Ele ainda escuta todo dia de várias pessoas que quem mora na favela é vagabundo e ficam perguntando o que ele faz por lá. Uns chegam a dizer que ele ‘defende’ bandido, mas ele não liga para nada disso, continua com a cabeça erguida realizando seu trabalho.
“As pessoas não reconhecem o que fazemos como trabalho, e sim como algo pontual. Mas não, é uma empresa, que tem obrigações, que deve respostas, que têm contas para pagar e muita gente para cuidar. São 200 crianças e 400 famílias diretas e indiretamente”, relata o publicitário.
André lembra que não faz nada sozinho. “Tenho pessoas chaves e fortes ao meu lado. A gente precisa se apoiar o tempo todo e em todos os sentidos. Ninguém imagina o quão é difícil manter uma estrutura como essa”, diz.
E termina dizendo que todos os seus sonhos estão ligados à ONG. “A Nóiz é o que faz meus olhos brilharem, as conquistas, as pessoas, cada abraço na rua, cada pedido e cada ajuda realizada. É isso que quero viver”, finaliza.