É inegável que isso representa um avanço extraordinário em termos de eficiência e acessibilidade. Mas também representa uma “comoditização” da performance. Se antes havia uma vantagem competitiva clara para quem dominava as ferramentas de mídia, essa vantagem está sendo nivelada. O que antes exigia anos de experiência, testes e sensibilidade de mídia, agora pode ser feito por um algoritmo, em escala, com resultados semelhantes para empresas muito diferentes. A consequência disso é que o diferencial competitivo, que antes estava nas mãos de quem sabia comprar bem mídia, se desloca. E ele migra para um território que não pode ser automatizado tão facilmente: o território da marca.
À medida que essas inteligências artificiais se tornam o cérebro por trás das decisões de mídia, um novo ator começa a surgir do outro lado do funil: os agentes de IA do consumidor. São sistemas inteligentes que, em breve, não apenas recomendarão produtos, mas tomarão decisões de compra em nome dos usuários, baseados em dados de comportamento, preferências e histórico. Isso já começou a se materializar. A Visa, por exemplo, anunciou recentemente sua infraestrutura para “agentes de compras inteligentes” — pequenos softwares com IA que poderão realizar transações diretamente em nome do consumidor, respeitando regras pré-estabelecidas como orçamento, recorrência e preferências. Esses agentes, integrados a carteiras digitais e plataformas de pagamento, poderão buscar o melhor preço, comparar avaliações, verificar estoques e executar a compra sem intervenção humana.
Não se trata mais de convencer uma pessoa, mas sim de ser a escolha lógica de um sistema que sabe o que o usuário gosta, que tipo de embalagem ele prefere, o que ele já comprou e com o que se engajou emocionalmente no passado.
Nesse novo arranjo, o branding passa a ser mais do que uma ferramenta de construção de percepção. Ele passa a ser o argumento invisível que embasa as decisões automatizadas de compra. Em outras palavras: é a força da marca que vai influenciar o julgamento do agente de IA. Não porque o algoritmo tem uma opinião própria — mas porque ele reconhecerá, com base em dados, que aquele consumidor “prefere Apple a Samsung”, “confia na marca Omo”, ou “se conecta com os valores da Natura”. Essa preferência não se constrói com um clique, nem com uma oferta irresistível. Ela se constrói com branding. Com narrativas consistentes, presença relevante, atributos emocionais e reconhecimento contínuo.
Joe Burns, colunista da AdAge, afirmou recentemente que “a construção de marca está prestes a se tornar a maior vantagem de desempenho de um profissional de marketing”. E essa visão não poderia ser mais pertinente neste momento. Afinal, os sistemas de IA não escolhem com base apenas em lances ou CPCs — eles operam sobre padrões de afinidade. Eles analisam o que o consumidor já viu, curtiu, procurou, clicou, e constroem modelos de predição baseados nesses dados. Se a marca não estiver entre os dados que alimentam esses modelos, ela simplesmente não será recomendada. Não será escolhida.
A automação da jornada de venda é um caminho sem volta. E não é negativo — pelo contrário, libera o marketing de tarefas operacionais e permite foco em estratégia e diferenciação. Mas ela impõe uma nova responsabilidade: garantir que a marca esteja presente, lembrada e desejada antes mesmo do momento da conversão. Porque a IA vai decidir a venda — mas a decisão da IA será moldada por tudo o que o consumidor já sentiu e vivenciou em relação à sua marca.
Neste novo mundo, performance é consequência. Branding é a causa. E o marketing estratégico, agora mais do que nunca, precisa lembrar disso.
CESAR SPONCHIADO
Fundador e CEO da Tunad